terça-feira, 1 de março de 2022

O Homem que Redescobriu seu Coração

 

Era uma vez uma sociedade, onde o valor de cada pessoa era conforme suas conquistas e sucessos. Foram ensinados que deveriam estudar para ter os melhores desempenhos, para assim, terem trabalho e serem valorizados pela sociedade. Pensavam que tinham que competir uns com os outros para sobreviverem. Então, cada um se fechava em si mesmo, estudando como louco para tirar notas altas para não serem humilhados pela sociedade. Comparavam-se uns com os outros e não conseguiam ser muito amigos, pois, afinal, a rivalidade e a corrida pela valorização estava presente. E ninguém queria ser desvalorizado.

Quando trabalhavam em assuntos diferentes era mais fácil serem amigos, pois a competição, pelo menos de trabalho, não existia. Mas, a competição na vida continuava. Pois, nessa sociedade, as pessoas eram medidas pela quantidade de dinheiro, conquistas e sucesso que tinham. Mas, havia algo muito contraditório em tudo isso: certamente quem mede, usa um critério ou instrumento de medida. E o dessa sociedade era principalmente o dinheiro e os alcances científicos ou atléticos, ou de altas posições sociais, como cargos de chefias e poderes, sejam políticos, acadêmicos, religiosos, etc.

Entretanto, no meio dessa sociedade, havia um grupo de pessoas especiais. Essas eram pessoas que tinham certas limitações físicas, cognitivas ou intelectuais. Elas estavam sempre unidas e não se mediam pelos mesmos parâmetros dessa sociedade. Certamente, tinham desvantagens para alcançar as altas posições, os altos desempenhos em certas atividades, etc, mas algo mais significativo não os faltava: aceitavam uns aos outros assim como eram, sem exigirem uns dos outros. Atribuíam valor intrínseco uns aos outros, pelo seu ser, pela sua essência, não pelas circunstâncias de terem ou não conquistas. Afinal, para eles, o mais importante é o que o ser humano tenha um bom coração. Talentos e dons todos têm, de modo diferente. E assim, todos podem contribuir, de maneiras diferentes na sociedade. Mas, assim como todas as pessoas têm fortalezas e dons, todas tem também limitações e fraquezas.

Suas dificuldades haviam lhes ensinado algo importante: que todos somos limitados, mas isso não tira de nós a nossa beleza interior. Afinal, o amor que tinham um para com os outros, o cuidado e aceitação mútua, a alegria de poderem se divertir juntos e compartilhar a vida, tudo isso era tão maior que suas limitações. Mas, algumas pessoas que não tinham necessidades especiais ainda não haviam aprendido essas lições. Comparavam-se e competiam umas com as outras em suas posições, cargos, conquistas e prêmios. Não aceitavam as pessoas que não haviam conquistado muito como eles. Não conheciam o amor e o cuidado mútuo. Pois, estavam muito ocupados estudando, trabalhando, para serem bem-sucedidos. Quase não tinham tempo nem para sua própria família, o que dirá para serem solidários, amorosos e gentis com as pessoas que não eram bem-sucedidas aos olhos da sociedade

Então, veio uma grande crise econômica, e cada vez mais pessoas bem-sucedidas foram demitidas, e não mais encontravam trabalho. Passaram a serem vistos como fracassados por aquela sociedade individualista. Entre eles, estava Francisco. Ele se lembrou das pessoas especiais de sua sociedade, pois agora compreendia como talvez se sentissem por serem considerados não tão valorosos pela sociedade como as pessoas que têm, supostamente, menos limitações evidentes. Olhou para os profissionais desvalorizados da sociedade, a pessoa da limpeza, a pessoa que ajudava a achar o livro que ele queria ler na biblioteca, o professor de educação física que ajudava as pessoas a fazerem ginástica e assim se manterem saudáveis.

E pensou: como pude ser tão tolo a ponto de me deixar levar por essa onda onde só alguns são valorizados e outros depreciados? Todos precisamos de todos, pois as pessoas com seus diferentes talentos e dons, diferentes fraquezas e fortalezas se completam, aprendendo umas com as outras, se não as desprezarem. Por que então alguns são vistos como menores ou com menor valor? Quem está medindo, pensou ele? O dinheiro? A fama? Se temos algum dom ou habilidade, quem nos deu? Existe alguém que não tenha nenhum dom ou que esteja em vão no mundo? Por que não é garantido a todos o direito ao desenvolvimento e ao trabalho, cada um conforme suas capacidades e talentos? Então, Francisco verdadeiramente se assustou consigo mesmo, por ter feito parte daquele jeito de pensar o mundo, se tornando um escravo de um sistema que conforme a circunstância valoriza alguns e não se importa com os outros.

Passou a se sentar com todas as pessoas que antes evitava, por não fazerem parte dos admirados pela sociedade. Viu sua simplicidade e aprendeu a amar. Deu prioridade a ver o amor nos corações. Percebeu o quanto se importavam e cuidavam uns dos outros. E um podia contar com o outro nas suas dificuldades. E cada um fazia o máximo de suas possibilidades para ajudar um ao outro e o mundo. E todos tinham características e dons diferentes, e todos, inclusive ele, tinham limitações diferentes. Um, era paciente e meticuloso, o outro, era ágil e rápido; outro era sensível e perceptivo, outro, era talentoso nas artes, um era extremamente carinhoso e afetivo, outro, era engraçado e alegrava a todos, e assim por diante.

Percebeu que no grupo de pessoas especiais, não havia competição. Ela não fazia sentido. Todos tinham espaço e lugar para ser e existir com integridade. Quando alguém precisava de trabalho, os outros ajudavam a encontrar. Muitos trabalhavam em firmas que tem algumas vagas separadas para pessoas especiais. Outras pessoas que trabalhavam na limpeza, não tinham desenvolvido tanto a sua intelectualidade, mas sabiam muito sobre a natureza e haviam sido agricultores. Francisco percebeu o quanto havia sido ignorante. Pensou que pessoas simples como essas produziam seus alimentos e, mais recentemente, limpavam sua sujeira. Então, Francisco sentiu a sua miséria e que sua limitação era maior do que a de todas essas pessoas. Pois, era na alma, na sua essência, já que tinha se desvirtuado do que realmente importa por medo de ser humilhado por um sistema cruel e sem amor, onde a circunstância de uma prova ou de um conhecimento serve para elevar uns em glória e rebaixar outros ao descaso e à falta de cuidado, respeito e amor.

Então, Francisco decidiu que queria aprender a amar e a ser ele mesmo em essência e a estar alinhado aos valores do Criador. Decidiu dar valor a todas as pessoas, pois cada um é feito à imagem e semelhança do Criador e tem características, talentos e dons únicos. Mas o mais importante, cada um pode ser amoroso e decidir amar ao Criador e ao próximo como a si mesmo, com todas as capacidades que Ele deu, sejam elas mais ou menos limitadas nesse ou naquele aspecto. Cada um tem missões que só ele pode desempenhar no mundo, valorizem os outros homens ou não.

Decidiu que voltaria a estudar e trabalhar ajudando outras pessoas a desenvolverem seus potenciais. Hoje ele trabalha como educador e psicólogo de pessoas em situação de risco, ajudando-os a desenvolverem seus talentos, sem perderem de vista o mais importante: que nunca deixem de colocar o amor ao próximo em primeiro lugar. Afinal, um bom coração é mais importante que mil talentos e prêmios. Pois, a pessoa de bom coração usa seus talentos para benefício dos outros, para nunca rebaixar nenhum outro ser humano, para contribuir que todos tenham vida íntegra.

Mas, a pessoa que ainda não aprendeu a amar, desperdiça todos os seus talentos em um mundo que eleva uns e pisa nos outros, de acordo com valores exteriores e passageiros, como dinheiro, obras humanas, conquistas externas, para manter a si mesmo elevado.

E Francisco notou que se elevar e diminuir outros é idolatria, fazer de si ou de algo criado um deus. Mas só o Criador é Deus. E cabe às criaturas aprenderem o amor ao Criador e às outras criaturas. É isso que deu à vida de Francisco sentido e felicidade, o amor que redescobriu sem seu coração, em sua essência, no seu ser interior.





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