terça-feira, 24 de agosto de 2021

Mulheres: Diferentes, mas de igual valor

 

A sociedade ocidental (e, talvez, outras sociedades também) vem vivendo uma crise na instituição do casamento, que se repercute na família e na sociedade. A crise do casamento demonstra a dificuldade ou inabilidade do casal em estabelecer relacionamentos saudáveis, funcionais e harmônicos, onde a paz, a justiça e a felicidade predominam em seu lar.

Uma das causas dessa crise no casamento tem sido o abuso de autoridade do marido para com a esposa. No passado, isso era possível, pelo homem ter estado na posição daquele que traz dinheiro (provisão) para a família, mediante o trabalho fora de casa. A mulher pode ter se sentido desvalorizada em seus esforços e trabalhos domésticos, por esses não serem remunerados, e/ou pela falta de reconhecimento do valor desses em seu próprio lar, e/ou, na sociedade.

A mulher, como qualquer outro ser humano, gostaria de ser considerada de igual valor aos outros seres humanos. Parece que o conceito do valor de um ser humano, em vez de estar vinculado solidamente à essência do seu ser, atrelou-se ao dinheiro ou bem materiais que a pessoa produz. Afinal, por que o ser humano que vive na prática dos bons e justos valores, ajudando conforme suas possibilidades, não seria tão valoroso como qualquer outro que busca o mesmo?

Vários direitos que os homens possuíam, não eram concedidos às mulheres, como o direito de votar, o direito de dirigir, o direito a trabalhar fora de casa, etc. No passado, em algumas civilizações, a mulher não tinha direito de ser uma testemunha para depor em um tribunal. A mulher não tinha autonomia. Ela era parcialmente capaz perante a sociedade, necessitando de permissões do marido. Se o esposo fosse um bom líder, não dominador, respeitoso, e ela fosse valorizada como lhe é devido, ela podia ter um bom casamento e uma vida feliz. Mas, e se ele fosse um opressor, um líder dominador ou a maltratasse? Então, ela estaria refém dele, sofrendo dentro de uma prisão, sem ninguém para ajudá-la, pois, seu suposto ajudador (seu marido), tinha plenos poderes sobre ela, sendo responsável por ela perante a lei, da mesma forma que um pai é por sua filha solteira, e a sociedade lhe dava ouvidos através do marido.

Mulheres, sabendo de casos de opressão de outras mulheres, começaram a se unir e se organizar para ajudá-las a se libertarem de seus maridos que as oprimiam ou agrediam. A aquisição de autonomia das mulheres foi necessária devido a abusos de autoridade cometidos por seus maridos. Mas, não somente devido a isso. A mulher gostaria de ter sua opinião como cidadã respeitada sobre política e na sociedade, em geral. Várias mulheres tinham o desejo de estudarem mais para poderem ajudar a sociedade em outras áreas de trabalho ou atuação, além das tarefas domésticas ou das profissões consideradas femininas naquela época. Para isso, precisavam da autorização de seus maridos e que a sociedade lhes desse oportunidades de estudo e atuação nas diferentes áreas, que, até então, eram estritamente masculinas.

Nesse sentido, essa mobilização das mulheres, chamada “movimento feminista”, passou a lutar pela independência da mulher em relação ao seu marido, para garantir proteção a elas de seus maridos abusadores ou violentos, e pela sua autonomia de forma geral e aquisição de direitos iguais aos dos homens (sem necessitar da permissão do marido, tal como uma criança – ao que se dá o nome de “emancipação feminina”), como o direito ao estudo, ao trabalho remunerado, ao voto, a dirigir, enfim, a realizar suas escolhas individuais de maneira autônoma e em igualdade com os direitos dos homens. Muitas vezes, a mulher havia sido considerada não tão capaz quanto o homem para realizar determinadas funções. Na medida em que as lutas por oportunidades de estudo e atuação em diversas áreas sociais foram sendo vencidas, as mulheres têm se mostrado muito capazes, desde então.

A mulher não quer ser reduzida à posição de escrava nem ser um objeto de uso de seu marido., nem de ninguém. A mulher, como esposa, é uma ajudadora, que deveria ser honrada por seu marido, pois ela o completa e é parte fundamental na construção do lar e da família. A construção do lar envolve tarefas físicas, mas também relacionais e educacionais, pois requer sabedoria relacional e educacional, e vivência de valores éticos (comportamento ético e controle sobre suas emoções e reações) que seja modelo educacional. Exige dedicação e aprendizado nessas áreas. Ninguém quer ser reduzido, nem usado. No casamento, ambos devem servir um ao outro, se doando em amor, em ajuda mútua e na construção comum do lar, que deve ser um ambiente de respeito, paz, afeto, valorização e ajuda mútua e amor, onde pessoas podem se desenvolver e amadurecer. Ambas as partes, marido e mulher, são igualmente valorosas e fundamentais para essa construção do lar, embora possam ter talentos e funções distintos.

Todas as colaborações e cooperações em sociedade devem considerar que todos são igualmente valorosos (intrinsecamente, em sua essência, todos os seres humanos foram feitos à imagem e semelhança do Criador, que é sempre bom, conforme a Bíblia Hebraica (antigo testamento)) e contribuem, dentro de suas possibilidades, dons e talentos, para uma construção comum. Mesmo que haja um líder, o valor do liderado não é menor que o valor do líder. Eles realizam funções distintas e que se completam. Todos somos interdependentes desde bebês até a velhice e na morte.

Toda relação utilitarista não é uma relação de amor verdadeiro. Pois, o amor verdadeiro se doa pelo próximo, sem o desejo de se aproveitar dele ou de usá-lo para determinado fim egocêntrico. O amor se doa naquilo que contribui para que o outro seja pleno e feliz, no exercício e expressão do seu ser (em amor e justiça), dos seus dons, talentos e cumprimento de suas missões no mundo. Quem ama cuida para que nada falte a pessoa amada daquilo que ela realmente necessita como ser humano.

A história sobre a aquisição de direitos da mulher em igualdade com os direitos dos homens, pode nos ajudar a refletir sobre essa tendência do ser humano a dar maior valor às atividades e pessoas mais bem remuneradas, ao dinheiro em si. Isso não corresponde à realidade, pois há muitas bondades e serviços que não são contabilizados nem recebem recompensa financeira ou talvez nem sejam vistos por outros olhos humanos, mas são essenciais. Aliás, o mundo é sustentado pelos atos de bondade, de doação pelo próximo, sem ter intenção de receber nada em troca. E eles não são, muitas vezes, remunerados, são dados gratuitamente, sem interesse, por amor.

Da mesma forma, o casamento também não pode ser sustentado verdadeiramente, sem amor doador. Muito desses serviços podem ser erroneamente considerados sem (muito) valor para pessoas ou para sociedade, pois não são pagos, mas os valores éticos vividos fazem com que se construa o lar, local fundamental para dar condições ao desenvolvimento e crescimento humanos apropriados (o lar é, de certa forma, a incubadeira da sociedade). E, de muitos lares saudáveis se constrói uma sociedade harmônica e cooperativa. Talvez, seja exatamente a correção dos valores e das ênfases dos nossos tempos e esforços que deva ser realizado, para que nossos casamentos, famílias e sociedades sejam mais humanas, mais pacíficas, mais valorizadoras do diferente delas, mais respeitadoras da doce harmonia da cooperação de uma grande família onde todos são igualmente valorosos e importantes na construção comum.

A mulher deve se respeitar e se grata pelo ser que é, na bela essência que a caracteriza, e pelas capacidades que recebeu do Criador. A mulher, em particular, foi dotada de uma habilidade especial que consiste na capacidade de gerar filhos em seu próprio corpo. Mas, isso não a resume, nem a seus talentos e características. É parte de seu potencial. Nenhum ser humano é igual a outro em suas características, talentos e dons, mas, todos têm o mesmo valor, em sua essência. A mulher não é fisicamente igual ao homem, nem deve tentar ser igual para ter o mesmo valor. Ela tem o mesmo valor, mesmo que alguém não o reconheça. É um problema dos olhos de quem vê, dos valores, desejos e interesses que a pessoa abriga no coração. Também, a solução não está em diminuir ninguém, nem mesmo se a pessoa tenha sido opressor. Se foi um opressor, machucou primeiramente a si mesmo, à sua essência, além de outras pessoas.

A solução está em não deixar que coisas ou circunstâncias como o poder, o status ou o dinheiro definam os valores da sociedade. Quem coloca essas coisas acima do amor, da justiça, da alegria de servir ao próximo para benefício dele, não pode ter uma vida significativa, feliz e construtiva, seja no âmbito conjugal, familiar ou social.

Outro aspecto a ser refletido é o fato de que ambos do casal trabalhando fora de casa, muito provavelmente, não tem mais tempo para se dedicarem à educação dos filhos como antes. Especialmente, a mulher é frequentemente sobrecarregada, pois, além do serviço doméstico, tem que dar conta do trabalho fora de casa e da educação dos filhos. É muito fácil perceber que uma pessoa que se dedica jornada integral de trabalho, dificilmente poderá até mesmo cuidar dos afazeres domésticos apropriadamente. Pode ser que, para isso, faça uso dos finais de semanas, das folgas, feriados e férias para pôr em dia o que não teve tempo para resolver durante as semanas de trabalho. O tempo dedicado aos filhos, o acompanhamento apropriado de que eles necessitam, as oportunidades para conversar e receber instruções para a vida ou desfrutar de atividades familiares saldáveis é muito reduzido. Isso, se o ambiente em casa for harmônico e funcional.

A consequência da sobrecarga de trabalho da mulher, e, às vezes, também do homem, é falta de desenvolvimento apropriado das novas gerações, a falta de orientação e educação apropriada dos filhos. As crianças e adolescentes estão cada vez mais a mercê das informações que encontram nas mídias e redes sociais, sem ter com quem dialogar sobre elas mais intimamente, e assim desenvolver consciência crítica, sólido alicerce de valores éticos, etc. A escola não aborda todos os assuntos e problemáticas com os quais as crianças e adolescentes se chocam. E lá fora, o mundo está bastante confuso, e muitas vezes, com valores distorcidos pela valorização do dinheiro, dos bens materiais, do poder, da posição social (status) e da honra de uns em detrimento dos demais. Isso, sem mencionar a crise escolar, principalmente da escola pública brasileira, da sua falta de estrutura para lidar com as demandas, a desvalorização da educação pelo país e de seus profissionais, e a dissociação de alguns modos e conteúdos escolares com as necessidades humanas e os problemas da vida real dos alunos, suas famílias e comunidades.

Portanto, a questão da valorização da mulher requer que a sociedade como um todo reflita sobre os valores que vem escolhendo e quais são as metas para o futuro. Seria sábio que nos lembremos que os valores das pessoas não estão em questões circunstanciais de exercer ou não atividade profissional remunerada, por exemplo. Mas cada ser humano tem valor intrínseco e é único, com uma combinação de características únicas, talentos, dons e capacidades, conforme suas missões a realizar. Cada um tem missões únicas a realizarem, as quais outras pessoas não são capazes de fazer. Há, portanto, a necessidade de compreender melhor que não devemos estar em competição, mas em cooperação, pois, todos somos interdependentes e precisamos de muitas coisas para nossa sobrevivência e desenvolvimento, para suprir nossas necessidades humanas e desempenhar nossas missões.

Esse pensamento se aplica mais precisamente na área do casamento, no entendimento de que todos temos fraquezas e fortalezas em diferentes áreas. E essa é a beleza da diversidade com que o Criador fez o mundo. Se a mulher é capaz de gerar filhos dentro de seu corpo, isso é um dom maravilhoso que não deve ser diminuído em relação aos demais. Seus hormônios podem fazer com que seja mais emocionalmente vulnerável às vezes, o que não tira de forma alguma sua beleza e valor. Além disso, a mulher pode ter missões de contribuição não somente na esfera familiar, mas também na sociedade como um todo, remuneradamente ou não. O foco é que um cônjuge ajude ao outro a se desenvolver e usar seus talentos e dons para contribuir ao máximo para a família e sociedade.

Devemos ser ajudadores uns dos outros e não competidores. A comparação e a competição não fazem nenhum sentido. Cada um é único e possui única combinação de características essenciais, dons e talentos. Por isso, a missão de cada um, só cada um pode desempenhar da forma única como faz. É importante que todos sejam plenos e genuínos e tenham liberdade para isso, na multidão de diversidades de características, talentos e dons que existem. Também a mulher que deseja se dedicar somente a seu lar deve ter liberdade e valorização para mergulhar em sua missão, sem sofrer preconceitos ou julgamentos negativos. Cabe a nós escolhermos ter a mentalidade de como ajudamos a construir os outros (que são diferentes de nós), sem diminuí-los, dominá-los ou oprimi-los.

A competição não faz sentido, pois todos devem ter direito ao trabalho remunerado e ao sustento. Algumas pessoas impossibilitadas são exceções. Mas, elas não deixam de poder também brilhar com suas contribuições, de outra maneira, à sociedade. Não deve haver espaço para a diminuição de um ou a exaltação do outro. Todos temos igual valor intrínseco. É só focarmos nas nossas potencialidades em amar e fazer boas e justas ações que somos todos muito frutíferos e férteis em diferentes áreas. Precisamos nos responsabilizar por ajudar uns aos outros para que ninguém esteja excluído do cuidado social e da rede de cooperação que deve funcionar harmonicamente. Para isso é necessário reconhecer os valores intrínsecos e iguais nos seres humanos, e perceber a rede de contribuições mútuas da qual todos interdependemos. Na natureza, a cooperação em que todos participam também é essencial à manutenção da vida. Qualquer prejuízo de uma parte dessa cooperação, prejudicam todo o ecossistema.

Da mesma forma, esposo e esposa são complementares e interdependentes na formação de um lar harmônico em que todos sejam igualmente valorizados e tenham espaço para se desenvolverem plenamente. Precisamos, para isso aprender a respeitar e amar o diferente de nós, apreciando seus dons e características que nós não temos, em vez subjugá-los, diminui-los ou julgá-los desfavoravelmente. Assim, aprendemos e crescemos uns com os outros em liberdade de escolhas e iremos numa direção construtiva nas relações conjugais, familiares e sociais. Pois, não podemos esquecer que é do lar construído por um casal que gera novas pessoas, e de diversos lares e constitui a sociedade. Então, precisamos pensar com carinho como estamos ajudando ou não as crianças a se prepararem para a vida em sociedade, dando a elas os subsídios, suporte, amor e cuidado comprometidos com suas necessidades básicas humanas.


*agradecimento ao desenhista da pixabay.com que gentilmente cedeu a ilustração deste artigo.

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