terça-feira, 13 de julho de 2021

Educação é Reflexo da Prática dos Valores Éticos e Responsabilidade Social

 


Acredito em uma educação onde a liberdade e o respeito ao indivíduo e seu desenvolvimento devem ser prioritários. Certamente é importante que as pessoas sejam alfabetizadas nas diferentes áreas do saber para que o indivíduo consiga participar ativamente do debate e das decisões da sociedade e do país em que vive. Mas, será que a população participa das decisões do país? Deveria, segundo os princípios constitucionais embasados na democracia. Democracia é o regime político onde os políticos deveriam expressar em suas atuações as vontades do povo que os representa.

Na minha percepção, a democracia no Brasil, em certos aspectos, não é ainda uma realidade do ponto de vista prático. Acredito que o povo não está a favor de jornadas estendidas de trabalho, da exploração do menos favorecido, da indiferença às necessidades da população, da desvalorização das profissões que não usam somente o intelecto, como as de agricultor, jardineiro, técnico em saneamento básico, lixeiro, etc.

Parece que a estrutura dos interesses de alguns grandes proprietários de terra, alguns políticos e alguns dos que concentram grande quantidade de riquezas acabam sempre oprimindo os trabalhadores que não possuem bens materiais. Assim, o país vem se perpetuando em oprimir o pequeno em prol do grande. Também ocorre com o professor, com suas precárias condições de trabalho, salários e da forma desrespeitosa como o governo trata o professor, principalmente no primário e secundário.

Tudo indica que os interesses de lucro dos grandes e poderosos continuam condenando os mais simples à vida sem dignidade, sem respeito, com angústia para pagar as contas, talvez, até com dívidas ou ameaçada pela falta de dinheiro. Não há consideração, as pessoas temem não conseguir sobreviver ou não terem uma qualidade de vida razoável.

O Brasil é um país em que o medo da exclusão social ou de viver em situações precárias é cada vez maior para pessoas capazes e com bom nível de estudo. As pessoas são oprimidas por um sistema onde o dinheiro e o lucro de alguns faz a vida ser miserável e penosa para grande parte do povo. Como eles fazem isso? Fazendo a maioria do povo trabalhar duro e por grande parte de tempo e produzir cada vez mais, sem remunerar de maneira digna e respeitosa, de modo que o sujeito e sua família temem não dar conta dos custos básicos da vida. O governo não põe limite nos abusos de como as empresas tratam funcionários e até clientes, pois ele mesmo maltrata sua população.

São os filhos dos trabalhadores explorados e sofridos que lutam para sobreviver no dia a dia e não tem tempo para seus filhos, que vem à escola pública brasileira. Nessa escola, a criança é cada vez mais exigida a conhecer a história do conhecimento humano e dominar as ferramentas básicas de cada disciplina.

Esse indivíduo em crise, que quase não vê seus pais (pois estão trabalhando, às vezes, em jornada dupla, ou com dois trabalhos, ou com um dos pais desempregados) e, quando os encontra testemunha sua batalha e angústia, que vem à escola. É requerido dele que tenha “cabeça” para aprender diante dos problemas que está inserido no seu lar e na sociedade. Na escola, são apresentados sistemas e conhecimentos que teoricamente “funcionam”, como se tudo estivesse bem, mas lá fora, tudo está mal. A sensação da criança ou indivíduo é, portanto, de que a escola é uma mentira. Pois, a realidade é a que ela vê todos os dias em seu lar, em sua vizinhança. Na sua frente, ela vê um professor que ela sabe que é explorado e maltratado pelo governo. Se o governo trata mal o professor, porque a criança lhe trataria bem e lhe daria ouvidos? O professor não é suficientemente valorizado para conseguir dar as suas aulas em paz, sem ficar preocupado com as contas que tem que pagar e estressado com sua carga de tarefas.

A criança, quando pequena, pode ser enganada, achando que a vida é como os desenhos animados que ela encontra na televisão. Mas, depois que cresce um pouco e os problemas antes encobertos pelos adultos são revelados, a escola não faz nenhum sentido.

Outro problema é que talvez essa criança não seja escutada por ninguém. Em casa, os pais não têm tempo. Na escola, os professores também não têm tempo de acompanhar o desenvolvimento e o crescimento de nenhum aluno. São aproximadamente quarenta em cada classe. A indisciplina e falta de respeito com o professor é enorme. Em certas escolas, o professor não conseguirá nem iniciar sua aula, pois os alunos conversam alto e o ignoram. O professor vai de uma classe à outra o dia inteiro. Quando chega em casa tem que corrigir lições de casa e provas, e preparar as aulas do dia seguinte.

Então, é possível que algumas dessas crianças e adolescentes para os quais a escola é uma mentira, também não queiram ouvir o governo que oprime ou deixa oprimir seus pais e professores, representada por eles. O aluno não é ouvido. Se tiver um psicólogo, coordenador ou diretor na escola é algo positivo. Às vezes eles estão no segundo emprego, às vezes, sei lá onde. Em resumo, muitas vezes não estão lá quando se precisa. E bedéis? Quando existem, talvez estejam tentando conter a revolta, o uso de droga, etc, e outros problemas. Talvez estejam no seu segundo emprego ou bico também, para conseguir completar o pagamento de suas contas. Talvez tenham sido ameaçados de morte por alguns alunos. Talvez estejam com depressão, por trabalhar em um sistema de contenção de alunos e saber que não estão se desenvolvendo como deveriam....

Quando o professor consegue conter um pouco da indisciplina, apresenta o conteúdo e exige o conhecimento. Alguém perguntou ao aluno o que ele gostaria de aprender? Será que ele sabe para que serve? Qual a relação dos conteúdos com as necessidades humanas? Não. Tudo é geralmente alheio a seu mundo e teórico. Ele é exigido, exigido, e está sempre devendo. Desde que saiu do jardim de infância até o fim do segundo grau, mais, mais, tem que passar de ano, tem que tirar diploma. Para que? Para ter emprego. Por que? Porque todos têm que ter diploma escolar para conseguir emprego.

Diante desse quadro, gostaria de apresentar aqui uma outra proposta de educação. Uma proposta onde a educação seja centrada nas necessidades humanas. Onde o ser humano, não seja respondido com respostas como: “nossa sociedade é assim”. Mas pense, junto com o professor, como o ser humano tem lidado com a natureza e uns com os outros, para ter suas necessidades básicas atendidas. É necessário que através do diálogo que relaciona o mundo real e os conhecimentos, os problemas reais da sociedade sejam trazidos e as soluções que vem sido tomadas e suas consequências sejam avaliadas, em seus aspectos positivos e negativos.

É necessário que o indivíduo entenda como a sociedade atual tem resolvido seus problemas para sanar suas necessidades básicas e quais são as diferentes possibilidades de resolução que se encontram hoje no mundo. A educação deve ser um convite à participação do conhecimento elaborado, mas não somente isso. Esse conhecimento deve ser problematizado e dialogado (de acordo com Paulo Freire1). Mas, essa análise deve ser feita em termos do quê? Compreender os conhecimentos desenvolvidos e as necessidades humanas a eles relacionadas. Pesar a possível aplicação dos conhecimentos à realidade prática e suas consequências à luz dos valores éticos que a sociedade escolheu viver. Se a educação elaborada no nosso país é estudada para obter empregos mais bem pagos, ela não vai fazer sentido, principalmente se o profissional, para isso, tiver que corromper os valores éticos nos quais acredita, em prol do status quo de uma sociedade que concentra renda nos mais favorecidos e não se responsabiliza do cuidado dos mais fragilizados a ponto de sanar suas carências e resolvê-las.

Informação por informação, o conhecimento elaborado não faz sentido, ao menos que ele esteja submetido aos valores éticos que realmente construam uma sociedade que se importa com o próximo, não uma que explora e exclui às margens os que nela não se ajustam. Também conhecimento sem compreender para que serve em relação às necessidades humanas e da natureza, também não faz nenhum sentido. Elaborar sem saber para que, como se usa na prática e se está de acordo com os princípios éticos é muito vazio e destituído de sentido. Aliás, a alienação da natureza e a não compreensão da relação das tecnologias com ela e com as necessidades humanas, também não faz sentido. O ser humano necessita do contato com a natureza. Privá-la desse direito e necessidade humana é, no meu ponto de vista, um grande crime. O ser humano deve estar em harmonia com a natureza e com os outros seres humanos, para que haja uma sociedade em que há paz e construção. Teorização sem a natureza provoca alienação elaborada.

Todas as pessoas têm diferentes potenciais e talentos, e podem ser treinados seja no que for, para terem suas profissões e através delas colaborarem com a sociedade. A exclusão social não se justifica. Todos, com gravíssimas exceções, são capazes de colaborar para a sociedade de acordo com suas capacidades e talentos e serem remunerados dignamente para tal. O direito de todo ser humano ao trabalho que provê vida digna deve ser protegido (e os que não podem trabalhar devem ser supridos em suas necessidades pelo governo e colaborar à sociedade da maneira que lhes é possível).

Mas, quem está ajudando o aluno a descobrir a si mesmo e seus talentos, e a saber como pode ser através deles alguém atuante para construir uma sociedade cooperativa e que respeita e valoriza um ao outro, em vez de deixá-lo sozinho, “na mão”? Quantas pessoas hoje estão trabalhando informalmente ou em bicos, pois, embora tenham estudado, a sociedade não está provendo condições para elas exercerem seus potenciais em completude? E se não está, por que não está? Qual é o foco dessa crise e como saná-la? Ignorar as alarmantes questões da sociedade e dos pais das crianças em idade escolar, é ignorar a criança e seu próprio futuro.

O objetivo da escola deveria ser ajudar o aluno a se conhecer e descobrir seus talentos e dons, para que se desenvolva autenticamente e nas suas relações com o próximo. Isso conjuntamente com o conhecimento sobre a natureza e o ser humano e suas necessidades, deve propiciar que ele consiga, aos poucos, vislumbrar como ele pode cooperar e ajudar aos outros através do comportamento ético e conhecimentos adquiridos, conforme esses dons, talentos e sua missão específica.

O que a criança recebe são exigências, exigências, e mais exigências, Como ela se verá como alguém que faz parte da construção social? E se ela não faz parte, então ela buscará achar aonde ela faça parte e seja bem tratada e valorizada. E talvez seus líderes não a guiem em um caminho justo e feliz, e só a usem para seus próprios interesses. Talvez até ela se corrompa, porque a política da indiferença não é aceitável. Ela abandona as pessoas carentes de direção e experiência.

Afinal, para que serve a educação escolar pública? Para dar merenda? Para alguém estar com as crianças ou adolescentes enquanto seus pais trabalham? Para uma criança influenciar a outra, e todos estarem sem direção para resolverem suas vidas e a vida de suas famílias? Vejo essa criança sozinha e muito exigida, e ela geralmente não sabe para que e por quê. Para agradar os pais? Para receber o diploma? Talvez o sistema de educação seja um grande desrespeito às necessidades das crianças e suas famílias. Se a escola representa os valores do governo em mercadejar tudo e não tomar responsabilidade pelo seu povo, e os valores éticos forem todos vendidos, não há sentido em nada. Esse é o caos do contexto da criança e adolescente em idade escolar no Brasil hoje. Talvez haja exceções. Mas, isso é natural, porque os problemas dos pais naturalmente afetam os filhos e o lar.

A sociedade diz ao jovem que ele está em um lugar onde não há respeito, consideração, nem cuidado com as pessoas e suas necessidades. A sociedade diz ao jovem que seus rios são poluídos pelas empresas e empresários sem consideração com a população. A sociedade diz ao jovem que há corrupção para todos os lados, no governo, nas empresas. O egoísmo e corrupção reinam em diversas instituições da sociedade, pois não se põe limite na injustiça, no maltrato e na opressão. A sociedade diz ao jovem que todos estão competindo e preocupados em salvar a si mesmos, em um sistema individualista em que raramente um ajuda o outro a se desenvolver.

A sociedade diz ao jovem que vivemos com medo dos bandidos, que são, cada vez, em número maior. A sociedade expõe a criança à nudez, sensualidade e imoralidade pelos veículos de publicidade, imprimindo terríveis valores materialistas, vaidade e imoralidade. E o país é um salva-se quem puder, onde os poderosos e ricos oprimem os pequenos. Ninguém acredita em políticos e todos estão sozinhos. Ou seja, o número de problemas que estamos delegando a esses jovens é enorme, e consequentemente, seu sofrimento.

Mas, porque estão sozinhos? Por que não cooperamos? Por que cedemos ao egoísmo? Por que um sistema competitivo e desumano foi se estabelecendo com cada vez mais força, oprimindo os trabalhadores e desvalorizando-os? Mas, se todas as profissões são importantes e todos precisam dos trabalhadores braçais e os intelectuais, por que um vive com dignidade e outro não? Às vezes os oprimidos cansam e se deixam seduzir por propostas ilícitas como narcotráfico ou outros sistemas imorais de lucro. Aí eles morrem, golpeiam ou matam, por dinheiro, ou para não serem humilhados, o que, no entanto, não é um caminho justificável. Mas, não acreditam em um sistema que o abandonou, e às vezes têm dificuldade em encontrar outra solução em seu mundo de problemas reais.

O indivíduo está sozinho desde criança. Não há condições para seu desenvolvimento saudável, para sua participação, por consideração à sua pessoa como um novo contribuinte e integrante da sociedade. Ele é exigido, exigido, tirar notas, passar, passar. Está sempre devendo. É “workaholic”, ou melhor “sobrecarregado em estudos e trabalho desde a infância, numa sociedade que explora e não cuida”. Pois, os conteúdos e assuntos são infinitos e pouco digeridos em seu contexto real. Não é a quantidade, mas a qualidade de reflexão e contextualização com a vida real do aluno e da sociedade que torna frutífero e motivador o estudo vinculado à resolução de problemas para a construção de um mundo melhor. Aí entra o estímulo ao aluno a se conhecer e a seus talentos, para compreender no que tem dons e facilidades para colaborar socialmente nessa construção.

E o aluno: Quem ele é? Quais são seus talentos? Como pode ajudar a sociedade? Ele não sabe. Por quê? Porque a sociedade não dialogou, não ensinou para a vida prática, não transmitiu valores éticos como prioridade. Não teve tempo para saber. Encheram o tempo dele com um conteúdo infinito e que muitas vezes mentiroso e hipócrita, pois finge que há uma sociedade que funciona, enquanto a verdade é que a cooperação e a sociedade se convergiram para um egocentrismo em função do dinheiro e da capitalização dos maiores e sofrimento dos menores. Deveria ele confiar nas pessoas que dão suporte a um sistema como esse? O bom-senso responderia: “não”.

Em resumo, é necessário uma educação em que os conhecimentos estejam em função dos valores éticos para construção de uma sociedade íntegra. Conhecimentos devem responder às questões dos alunos de como o ser humano tem suprido suas necessidades básicas (dentre as quais o psicólogo Marshall Rosenberg cita as necessidades de: autonomia, interdependência, integridade, nutrição (atrelada à segurança), brincar, celebrar e ter comunhão espiritual2) e por que aqueles conhecimentos foram desenvolvidos, quais suas consequências positivas e negativas.

Em nossa sociedade, a tecnologia e o conhecimento, por vezes, tem sido usados sem serem pesadas em seu impacto na sociedade. Por isso, é muito importante recolocar a importância e centralidade da prática dos valores éticos na sociedade, do respeito, da valorização mútua, da cooperação, da solidariedade e ajuda mútua. E isso se concretiza através de uma comunidade na escola e fora da escola que se mobiliza para cuidar e ajudar de suas necessidades, com o suporte do governo. São necessários um governo e uma atuação social responsável uns para com os outros. São necessárias escola, comunidade e sociedade atuantes, que pratiquem e cultivem os valores éticos: o respeito, a consideração, a solidariedade, a cooperação e ajuda mútua.

Alguns exemplos de como os valores éticos são transgredidos são, por exemplo: como as empresas e governo tratam seus empregados, como o governo não evita a poluição dos rios nem a devastação das nossas florestas, como os bueiros das ruas estão cheios de lixo por falta de colaboração da população com o trabalho do lixeiro, como as companhias telefônicas e serviços tratam o consumidor e com tarifas cada vez mais exploratórios, sem que se coloque limite nos abusos. Enfim, um desrespeita o que é do outro e a natureza… o egoísmo e venda de valores éticos em prol do dinheiro reinam. Como então falar em educação nesse contexto para os mais novos, se a desmoralização está por toda parte que eles interagem? Não se pode ser educador de valores éticos se nossa vida prática enquanto indivíduos, profissionais e sociedade evidenciam o contrário, seja por que razão for. As crianças e adolescentes são inteligentes e perceptivos o bastante para notarem todas as incongruências entre o que se diz e o que se vive.

O conhecimento deve servir para ajudar as pessoas a participarem das decisões políticas através dos seus representantes (com relação às necessidades humanas básicas na sociedade), cobrando sua atuação e não votando naqueles que não os representaram adequadamente. O sistema político deve ter meios acessíveis de participação popular, para que as pessoas voltem a acreditar na política e no país, e que elas efetivamente façam parte da construção do país, para aplicação dos valores éticos e conhecimentos que deveriam aprender também na escola. Mas, se o sistema é corrompido, se não há condições de seus professores se sustentarem dignamente e o conhecimento é usado para lucro individual em detrimento da maioria, essa escola não faz sentido para o aluno. Ela não é uma tutora honesta da realidade que ajuda a desenvolver para a vida e luta por princípios éticos, não na perpetuação da opressão e desrespeito ao povo.

1Freire, P. A Pedagogia do Oprimido; Freire, P. Pedagogy of the Heart. Ed. Bloombury (Great Britain).

2Rosenberg, M. B. We can Work it Out – Resolving Conflicts Peacefully and Powerfully. Rosenberg. M.B. Comunicação Não-Violenta. Editora Ágora.

Quando Nossa Educação Deseduca

  A nossa educação deseduca sempre que ensinamos conhecimentos, sem instruir os valores éticos que devem dirigi-los. A nossa educação ...