domingo, 12 de junho de 2022

Não através da força, nem da violência, mas respeitando a livre escolha

 


Martinho e Lucas eram adolescentes amigos de escola. Conversavam sobre muitos assuntos. Eram quase como irmãos. Mas, suas famílias eram muito diferentes uma da outra.

Os pais de Lucas eram muito autoritários e não eram muito de dialogar com ele. “Ordem é ordem; regras são regras! E não tem que discutir! Obedeça!” Assim pensavam eles. Por isso, Lucas sentia-se preso e sempre angustiado, com medo de ser punido, seja em palavras ou atitudes. Não via a hora de ser livre e independente. Então, formaria para si um lar amoroso e afetivo, cheio de paz, delicadeza e gentileza, onde todos ajudassem uns aos outros e se apreciassem mutuamente.

A casa de Martinho era muito diferente da de Lucas. Era um ambiente descontraído, com muita conversa e risada. Claro, também tinha hora para conversas sobre assuntos mais sérios. Mas, não se elevava a voz e só respeito sempre era mantido, tanto da parte dos pais, quando da parte dos filhos. O pai de Martinho fazia muitas perguntas sobre seus sentimentos, opiniões e gostos. Prestava atenção nos seus interesses. Queria realmente saber como ele se sentia e via as coisas, tinha interesse em conhecê-lo profundamente, e que ele também se autoconhecesse.

Martinho podia falar tudo abertamente com seus pais, pois mesmo quando discordavam dele, nunca eram agressivos, nem ofensivos, nem usavam de ameaça, como os pais de Lucas, para que ele fizesse o que eles queriam e então se sentissem seguros. Havia regras na casa, do que era certo e do que era errado, por ser prejudicial ou injusto a si mesmo e/ou aos outros. Mesmo quando reprovava um ou outro comportamento de Martinho, seus pais queriam que ele compreendesse seus motivos e razões, e percebesse que as regras, princípios e conselhos que eles lhe davam, eram para que fosse sempre feliz e que tudo lhe fosse bem, sem ter necessidade de sofrer danos ou prejuízos consequentes de escolhas tolas. Assim, pediam que ele considerasse o que falavam antes de fazer suas escolhas definitivas. Todos, adultos e adolescentes, pediam perdão quando falhavam aos preceitos justos ou quando magoavam outras pessoas, e buscavam reparar seus erros. Todos estavam sujeitos da mesma maneira à Lei do Criador e deviam reconhecer suas responsabilidades. Dessa forma, tanto os adolescentes quanto os adultos iam se aperfeiçoando na prática do amor e da retidão, e juntos eram responsáveis por construir o ambiente familiar harmônico, respeitoso e afetivo. Era necessária a colaboração de cada um.

No entanto, na casa de Lucas, o clima era de que se ele fizesse tudo que dele era pedido, não fazia menos que sua obrigação. E se falhasse em algo, então levava uma bronca enorme, ou era ameaçado, ou recebia gritos e palavras duras. Não se sentia amado, nem apreciado, muito embora soubesse que seus pais queriam seu bem. Eles estavam interessados que eles fizessem o que eles queriam para que ele estivesse seguro aos seus olhos. Com isso, a ajuda para que o filho se autoconhecesse não era valorizada, e sim a obediência. Lucas sentia-se um eterno devedor, que, em sua máxima performance, receberia como prêmio, a ausência das broncas e gritos. Até na rua, os pais de Lucas viviam brigando com as outras pessoas, em busca de exigir o que era “certo”. O lado positivo é que eles queriam fazer as coisas corretamente e assim serem benéficos. Mas, ninguém pode exigir que o outro faça o que ele quer. Pois isso é desrespeitar as escolhas das pessoas. No entanto, os pais de Lucas não percebiam que os meios rígidos e autoritários poderiam ferir as pessoas, que se sentiam desrespeitadas, e que algumas atitudes agressivas podiam negar-lhes a cordialidade e o bem-estar. Na verdade, as pessoas quando falham, precisam, às vezes, de um olhar bondoso e palavras positivas, para que continuem animados perseverando no caminho em rumo ao mais amoroso, gentil, repleto de sabedoria de Deus.

Certo dia, Lucas chegou na escola nitidamente pálido e com os olhos inchados. Parecia muito aflito. Durante a aula, parecia muito distante. Martinho notou que ele nem conseguia participar da aula e parecia muito triste. Durante o intervalo conversavam:


- O que aconteceu, Lucas?

- Ah, o de sempre. Sempre cobranças, gritos e reprovações. Quando falo o que penso, recebo tantas críticas ou até menosprezo das minhas opiniões, combinado com alguma coação, tentativa de me forçar ou impor, para que eu não siga o que tenho convicção ou o que estou pretendo escolher, mas o que eles querem. Minha casa é um lugar autoritário onde não consigo falar o que penso, nem ninguém parece querer saber. Contato que eu siga as regras e cumpra meus deveres… Eu não tenho voz. Não posso ser eu mesmo. Vivo com medo de ser atormentado pelos meus pais e suas atitudes agressivas.

- Quer pedir para os seus pais para passar o final de semana na minha casa?

- Já fizemos isso, lembra? Alivia um pouco, mas depois que volto pra casa, sinto-me ainda pior, pois aí me dou conta de quão maravilhoso é poder crescer com liberdade de ser você mesmo, em um ambiente amistoso, alegre e cheio de diálogo como a sua casa, e a semana seguinte fico mais triste ainda,

- O que você sugere, então?

- Sugiro que você finja ser eu e mude para minha casa.

- O quê?

- Você sabe como as pessoas na escola dizem que somos parecidos. Se fizermos o mesmo corte e cabelo e trocarmos nossas roupas, podemos ficar iguaizinhos. Esse é nosso último ano na escola, depois vou me mandar para fazer universidade em outra cidade bem longe, para não sofrer com essa braveza dos meus pais.

- Não esqueça que eles querem para você o melhor e acham que assim você se sairá bem.

- Eu sei. Mas eles não percebem que o que eu mais preciso é um ambiente amoroso e calmo para eu me desenvolver. Sei que não podemos fazer tudo que queremos sempre e que devo ser responsável e agir corretamente. Mas, não aguento mais esse clima nervoso. Quebra esse galho pra mim, amigão?

- Tá, tá bom. Vamos fazer um teste de uma semana. Ai vejo como é com seus pais.

- E assim foi.


Depois da escola, no dia seguinte, cada um foi para a casa do outro, o contrário de sempre.

Lucas ficou feliz da vida. Ele tinha espaço para falar e ser ouvido. Tinha tranquilidade. Não era chamado toda hora e exigido. Importavam-se com sua opinião e gostos, e com seus sentimentos, não somente com as regras. E não demandavam tanto quanto seus pais. Para ele parecia um paraíso. Tinha mais liberdade e um lar cheio de harmonia e alegria.


Mas Martinho, na casa dos pais do Lucas, começou a experimentar as aflições que ele descrevia passar todos os dias. Grito daqui, crítica de lá, nunca tá bom, sempre tá devendo. Sua vida se tornou amarga. Voltou para escola e desabafou com Lucas no dia seguinte: Lucas, socorro! Eu também não vou aguentar isso, não.

- E agora, o que a gente faz?

- Quero voltar para minha casa, disse Martinho.

- Já sei, tive uma ideia. Lembra do Oscarzinho, aquele menino difícil que só apronta?

- Sei.

- Que tal fazer um intercâmbio escolar e eu ir para a casa dos pais do Oscarzinho e ele para minha?

- Por que?

- Talvez com Oscarzinho eles desistam do método imposição e controle para lidar com ele.

- Não sei não. Acho que eles vão bater nele.

- Oscarzinho era um menino impossível.


Percebeu desde o início em que estava na casa dos pais de Lucas que eles eram controladores e dominadores. Por isso, resolveu mentir e dissimular, sempre que quisessem lhe impor. Assim, conseguiria aprovação deles e que eles não o amolassem.

- O casal achou Oscarzinho ótimo, bem melhor que seu filho Lucas. E não entenderam por que Lucas não era tão obediente como ele. Desde então, muitos anos se passaram, mas os pais de Lucas sempre mencionavam o maravilhoso Oscarzinho e sempre que ele lhes contrariava eles mencionavam: “Por que você não é obediente como Oscarzinho?”.

- Muitos anos se passaram e cada um seguiu suas vidas, escolhendo seus próprios caminhos. Lucas casou-se e foi morar com sua esposa. Seguiu a vida de acordo com seu próprio caminho e convicções, embora elas fossem diferentes das de seus pais e do que eles o queriam forçar a fazer e ser. No entanto, Lucas era uma pessoa íntegra, trabalhadora, amável, e busca agir com justiça, solidariedade, compaixão e doação ao próximo.

- Certo dia enquanto estavam todos juntos em uma reunião de família com seus pais, o vizinho chegou correndo com o jornal na mão cuja manchete principal dizia: “ Oscarzinho preso por estelionato, após golpear uma família em mais de 1 milhão de dólares”.

Naquele momento, os pais de Lucas ficaram tão chocados que não conseguiam falar nada. Para Lucas não era tão grande a novidade, só o ápice de um caminho de desvios e mentiras que começou

no infância de Oscarzinho. Mas, para seus pais, ele era o modelo de obediência. Até tinham um pouco de orgulho por terem ajudado a educar o rapaz….

Pensaram: nunca mais vou tentar controlar as escolhas de outro ser humano, muito menos ser autoritário e quer impor coisas a pessoas de mais de 12 anos de idade. De duas, uma: ou as pessoas vão se afastar de nós, para poderem ser elas mesmos; ou vão se afastar de si mesmas, de como o Criador os fez, tornando-se mentirosos e enganadores, quando na verdade, enganam e prejudicam a si mesmas, além de outros.

Nesse mesmo dia, pediram perdão a Lucas por todas as vezes que tentaram forçar que as coisas fossem como eles achavam que era bom para eles.

Agora, sei” - ,disse, sua mãe

Não era certo tentar interferir em escolhas que são suas, nem puni-lo ou tentar forçá-lo quando não escolher de acordo com minha opinião. Nenhum ser humano pertence a outro, mas todos ao Criador. As coisas não são do nosso jeito. As coisas são do jeito de Deus, conforme o propósito com que Ele criou cada um e ofertou dons e talentos a cada um. Cabe tão somente orientar conforme os valores éticos do Criador e deixar que o outro, em liberdade, percorra seu próprio caminho, faça suas próprias escolhas. Afinal, amor é deixar o outro ser livre, dar orientação e ajuda que sabemos, quando a pessoa assim, desejar.” E tem mais. Nós não sabemos tanta coisa. Às vezes, a orientação que a pessoa precisa nós não somos capazes de dar, pois ainda não temos sabedoria o bastante. Mas o Criador tem. Certamente, Ele guiará quem O buscar de coração verdadeiro para aprender o caminho do amor e da justiça. Então, meu filho, disse ela, sei que estará seguro nas mãos dEle, pedindo por Sua sabedoria e direção. E estarei aqui sempre para você, caso queira uma opinião ou conselho ou que compartilhe com você o que tenho aprendido através das minhas experiências. Seu pai disse: eu também penso o mesmo filho. Perdoe-me.

Então todos se abraçaram, quando pela janela Lucas viu alguém olhando para ele. A pessoa parecia muito feliz por ele e ergueu as mãos pros céus agradecendo. Era o Martinho, seu grande amigo, partilhando de seu alívio e alegria, por ter iniciado hoje uma nova dinâmica afetiva e de liberdade na família Lucas, que se tornava na direção do que ele sempre sonhou: família afetiva, carinhosa e respeitosa, apreciadora das qualidades uns dos outros, mesmo quando a característica dos outros não é igual à nossa.




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